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Leitor e estudioso de literatura (crítico literário e doutras artes) frequentando o curso Literatura Moçabicana na FLCS (UEM).
RESUMO: abordaremos as questões divergentes entre o poder político e poder tradicional patentes nos textos que serão comparados, no contexto de experimentação de poder político sobre o poder tradicional, fenómeno que existe nos contos que serão objecto da nossa análise, as consequências e origens de aculturação de um povo representado nos textos que durante o desenvolvimento do trabalho, com subsídios da escola americana, subsidiará a posição tomada quanto a selecção desta escola com a comparação. Uma vez feita a comparação, as consequências da implementação dum tipo de poder ou governação suscita na morte dos governados, como consequência da substituição dum dos poderes, a tradicional pelo pol.
Palavras-chave: Poderes, aculturação, new criticism (novo criticismo).
Introdução
Este trabalho visa a, na base da escola americana, fazer um estudo comparativo de dois contos: “Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar?” de Mia Couto e “A morte pronunciada” de Rogério Manjate, uma vez que ambos carregam uma característica comum de ponto de vista de conteúdo: poder político e poder tradicional, dentre outros assuntos (morte, por exemplo) que ambos contos tem em comum. A área de literatura comparada tem mais uma abordagem comparativa que, querendo trazer as consequências da implementação do poder político num contexto social (no interior do texto) em que já governava o poder tradicional (uma espécie de aculturação), resulta na morte humana, representado nos textos em análise. Será em volta da escola americana que esses assuntos, do conteúdo textual, irão se debruçar. De salientar que a análise comparativa que será feita nos contos, não será feita com o contexto social que o conteúdo dos mesmos textos representam, ou seja, a análise restringirá nos textos e deles não sairá, salvo na apresentação das evidências que estão no texto, mas que são comparáveis com o contexto social da sociedade representada: falo da implementação de Estado-Nação numa sociedade cujas autoridades são tradicionais. Esses dois textos são, a primeira vista, diferentes um do outro, até porque são, todo texto é diferente do outro independentemente da semelhança entre um e outro aspecto seja do conteúdo seja da estrutura. O presente trabalho ira se basear no nível do conteúdo, apesar dos poucos subsídios textuais (os poucos que tem, são extraordinariamente subjectivos). Aculturação, esse é o termo que damos ao fenómeno que ambos textos nos apresentam como conteúdo. Chegou a independência, novas políticas também, novo padrão de vida exige do povo uma mudança recíproca que não coaduna com o velho padrão que estes devem abandonar em função dos brancos ou do padrão trazido pelos brancos, sim é um facto histórico e quem conhece a história Moçambicana pode reconhecer a historicidade desse facto, não é essa a relação que vamos fazer em forma de sair dos textos para a sociedade existente uma vez que, a nossa base de fundamentação ou de abordagem será a escola americana com a nova crítica por tanto é em volta desse assunto, dentre vários que os textos têm, que nos iremos focar.
Poder político versus Poder tradicional
Tomando sempre por base o texto, mas não levando em conta suas relações com o contexto histórico-cultural, a Escola Americana que ganha força em 1958 com a proposta de Rene Wellek, teórico inspirado pelo new criticism, que propõe um estudo centralizado na obra e não em aspectos externos. Olhando no contexto dos dois textos em análise, temos tanto num como noutro organizações institucionais politicamente definidas, porem, com diferentes áreas: notariado e jurídico, isso, distingue um do outro e, os contextos do conteúdo textual, apesar de se distinguirem em vários outros aspectos. A primeira ligação que um leitor moçambicano ou de qualquer nação que conheça o poder tradicional de Moçambique relacionaria o conteúdo que os textos em analise carregam, assim, já tinham o dado histórico que sustentou o autor de cada um dos contos a compor, é disso que a nova crítica, o novo criticismo deixa de lado uma vez que é um assunto extra textual, não passa duma interpretação feita durante a leitura do mesmo texto. A Neocrítica, também chamada de Nova Crítica, é um movimento inicial da teoria literária surgido nos anos 20 nos Estados Unidos. Rompe com biografismo da crítica de então, mas rejeita também a análise literária a partir de contextos sociais ou culturais, portanto, o conteúdo textual que representa o contexto social patente em ambos contos, objectos da nossa análise, nunca se pode olhar para o seu conteúdo em função do que, um dia na história de um certo povo, aconteceu ou que acontece. Se um escritor escrevesse uma história cujo espaço e tempo é o mesmo que aconteceram os ataques da Renamo e as forças governamentais em Muchungue, só para dar um exemplo, mesmo se o conflito representado for a guerra, não se pode olhar para escritos desse escritor em função daqueles reais eventos. O Poder político representado nos textos em análise representando uma Dominação Legal onde o direito é criado e modificado através de um estatuto sancionado correctamente, tendo a burocracia como sendo o tipo mais puro desta dominação. Os princípios fundamentais da burocracia, segundo o Max Weber citado por Bianca Wild, são a Hierarquia Funcional, a Administração baseada em Documentos (o caso de Xikapeko no conto de Rogéro Manjate), a Demanda pela Aprendizagem Profissional, as Atribuições são oficializadas e há uma Exigência de todo o Rendimento do Profissional. A obediência se presta não à pessoa, em virtude de direito próprio, mas à regra, que se conhece competente para designar a quem e em que extensão se há-de obedecer. Weber classifica este tipo de dominação como sendo estável, uma vez que é baseada em normas que, como foi dito anteriormente, são criadas e modificadas através de um estatuto sancionado correctamente. Ou seja, o poder de autoridade é legalmente assegurado. Essa legalidade que os personagens do contos são submetidos após substituição do poder tradicional pelo político, são normas implementadas num universo em que outros agentes tradicionalmente definidos cujas leis e normas não aceitam ser misturados com outras. Este tipo de poder, segundo a wikipedia, é a possibilidade coercitiva que o estado possui para obrigar a fazer ou não fazer algo (a renomeação do personagem Xikapeko do conto: A Morte Pronunciada, para Lodiriki ou Rodrigues), tendo como objectivo o bem público: tirar uma vida humana seja usando a magia seja usando a ciência: revolver, nunca é tolerado nos termos duma lei regida no poder político, que usa a razão para julgar, o que acontece no conto de Mia Couto onde um personagem reivindica o julgamento do seu poder governamental: “Desculpa, senhor doutor: justiça só pode ser feita onde eu pertenço. Só eles sabem que, afinal, eu não conhecia que Carlota Gentina não tinha asas para voar.” P. 95 ACGNCDV, é a partir deste trecho textual que melhor alusão sobre a existência deste tipo de poder ou governação nos dá, (principalmente quando diz: “(…) só eles que, (…) ”) refere se aos agentes do poder tradicional, por tanto, temos no conteúdo textual, o poder tradicional ou dominação Tradicional (onde a autoridade é, pura e simplesmente, suportada pela existência de uma fidelidade tradicional); o governante é o patriarca (apesar de não ter, nos contos, um personagem representando o Velho venerando cercado de família numerosa, para representar a patriacalidade referida) ou senhor. O patriarcalismo é o tipo mais puro desta dominação. Presta-se obediência à pessoa por respeito, em virtude da tradição de uma dignidade pessoal que se julga sagrada. Todo o comando se prende intrinsecamente a normas tradicionais (não legais): “carlota Gentina era um pássaro, desses que perdem voz nos contraventos” p. 90, a veracidade desse facto não seria provado juridicamente uma vez que se trata duma personagem pertencente a outro padrão de civilização, cultura ou ainda, governação, por tanto, este personagem está passando por um momento de aculturação onde deixa o poder tradicional para no poder político, se adaptar ou resolver o seu problema através do doutor (agente do poder politico), esse advogado que o personagem dirige a sua historia, em forma de depoimento, por causa duma dominação política, está no padrão politico de justiça, não tradicional que defende e condena os seus actos sejam bons ou maus, por tanto, há aqui uma sobreposição duma cultura noutra. – Não faço ideia de que tipos de leis e normas teriam se os dois poderes se misturassem, o que não acontece no conteúdo textual de ambos textos onde, a reacção dessa sobreposição cultural acontece nos personagens tipo que, nos contos nos somos apresentado, são esses personagens que nos dão informações de que há uma sociedade diante de sua fusão com elementos culturais externos, por meio de dominação política e territorial, um outro tipo de poder, novas maneiras de julgar são implementadas, e a sociedade representada pelo personagem do Mia Couto: “Afinal, estou aqui na prisão (local onde se fica depois de um processo jurídico) porque me destinei prisioneiro. Nada, não foi ninguém que me queixou, farto de mim, me denunciei. Entreguei-me eu mesmo.” P. 86. É através da queixa e denúncias que este novo padrão de poder faz o seu processo jurídico em função a outro (o tradicional): “Só havia uma maneira de provar se Carlota Gentina, minha mulher, era ou não uma noii” p.88 suspeita tipicamente tradicional a justiça do poder político não tem ferramentas para esses tipos de casos, se estivesse a fazer uma relação para textual (o que a escola americana descarta), saindo do texto para o social, relacionávamos esta situação jurídica com a actual situação em Moçambique onde para além da PRM (para resolver problemas politicamente resolvíeis) temos e a METRAMO (para resolver problemas tradicionalmente resolvíeis): órgãos ou instituições de justiça. Mas não, tal comparação não nos compete fazer, tal comparação ou relação, não coaduna com, escolasticamente falando, o novo criticismo. Não, não sairemos, portanto, permanecendo do contexto textual: “O grito que ela deu, nunca ninguém ouviu. Não era som de gente, era grito de animal. Voz de hiena com certeza (…) essas mulheres que à noite transformam em animais e circulam no serviço da feitiçaria?” p. 87, este argumento, não coaduna com o poder politico, com a justiça de poder politico, não é a governação politica a qual se submete o personagem em questão que, em forma de julgamento, vai resolver esse caso, trata se, como já tinha dito, duma sobreposição duma política, cultura em cima doutra, uma espécie de aculturação, valores deixados para trás para assimilar outros que a nova política obriga para fazer parte dessa sociedade, o conto de Rojério Manjate aborda mais, na sua narrativa, essa nova maneira de lidar com as novas ou nova política que vigora num contexto social em que os governados são submetidos a novas leis e normas através de órgãos institucionais para a gestão populacional: “Durante o vice este menino era um anónimo para os papéis, indígena e mais nada. Mas no versa?, já era registado em completas nomenclaturas na conservatória da vila…” p. 31 AMP instituição regida pelo poder político, em quanto no texto de Mia Couto temos o Doutor representando uma instituição jurídica: tribunal, instituições politicamente designada para resolver conflitos protagonizados pelos governados. Era indígena porque não tinha papéis e, por isso, anónimo ou seja, não fazia parte daquela sociedade, não fazia parte daquela nação, mesmo estando no seu espaço de origem, espaço cujo poder de origem é tradicional: “Apresentaram-lhe assim à lua cheia, para esta ensinar-lhe o medo e a coragem, o sorriso e o voo (…) na presença da lua, nomearam-lhe pela primeira vez: Xikapeko!” p. 30, portanto esse acto não coaduna com o poder vigente nesse espaço ou a política ali patente, o nome não é dado aleatoriamente atribuindo a um antepassado que vai zelar pela vida desse novo ser mundano como o personagem de Rogério Manjate, ou através desse rito que é feito para dar nome ao menino. A consequência que resulta dessa sobreposição cultural é que a aculturação não tira totalmente a identidade social deste personagem, uma vez que o conflito entre os dois poderes resulta em: “Xikapeko morreu. (…) Lodiriki! Esse nome escurecia a lua do seu voo cada vez que o chamavam, até lhe sobrematar” p.33, morte, morte como desaparecimento físico desse personagem é resultado da rejeição dum padrão de cultura ou poder, o personagem não recusa a Europeização do seu nome, portanto são os poderes se confrontando causando efeitos drásticos para a sociedade submetida nessas políticas: “(…) e na sua cabeça a sentença já estava dita e sem interposição de recurso: homicídio voluntário por causa da civilização obrigatória” p. 34, no entanto, o novo padrão de poderes que essa sociedade representada no texto por este personagem (pai de Xikapeco), não resiste às consequências da aculturação.
Conclusão
Após um estudo comparativo entre os contos de Mia Couto e Rogério Manjate, numa abordagem americana (novo criticismo), não saindo do universo textual, constatamos que tanto num como noutro conto, predomina um poder cujos governados pertencem um outro tipo de poder: o tradicional. A aculturação que os personagens em ambos textos se submetem tem como causas morte, por consequência dessa sobreposição política. Os textos comparados tem muitos aspectos, do ponto de vista do conteúdo que podem ser relacionados com o contexto social que a história dispõe mas, uma vez que a escola América restringe o estudo comparativo apenas no texto sem recorrer a esses subsídios históricos, analisamos os dois contos tendo em conta o conteúdo abordado no interior da diegese, um pouco daquilo que representa e não aquilo que aconteceu no contexto social historicamente justificável, falo dos conflitos governamentais patentes nos dois textos.
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